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Por André Gurgel
Como ainda estamos no período da Páscoa, achei que seria interessante trazer para vocês a análise de uma obra com temática cristã. "Cristo na Casa dos Seus Pais" é uma belíssima obra do pintor pré-Rafaelita John Everett Millais, concluída em 1850 e exibida na Royal Academy em 1850.
Os Pré-Rafaelitas foram um grupo de jovens artistas do século XIX que se rebelaram contra as tendências artísticas dominantes da época. Suas principais críticas estavam relacionadas ao academicismo, à falta de originalidade e à artificialidade nas obras da Era Vitoriana. Buscava-se um retorno à arte da época anterior à de Rafael, daí o nome de Pré-Rafaelita. Dentre tais artistas estava John Everett Millais, Dante Gabriel Rossetti, William Holman Hunt. Em algumas pinturas pode-se ver a sigla PRB, que em inglês lê-se Pre-Rafaelite Brotherhood (Irmandade Pré-Rafaelita).
Esta pintura retrata uma cena da infância de Jesus, mostrando-o em um momento cotidiano ao lado de seus pais, Maria e José. A obra causou uma grande controvérsia na época de sua exibição devido à representação realista e "crua" da Sagrada Família. Até o célebre escritor Charles Dickens, autor de David Copperfield e Oliver Twist, não se furtou de dar umas alfinetadas numa crítica mordaz à pintura. Algo estranho vindo de Dickens, pois o Jesus de Millais parece muito com personagens dos seus livros, talvez até com o próprio Oliver Twist. Já a Rainha Victoria teve uma visão bem mais positiva da obra e pediu que fosse até trazida para o Palácio de Buckingham para apreciá-la.
Millais optou por retratar a cena de uma forma bastante naturalista, nada idealizada, mostrando Maria como uma jovem mãe, ocupada com suas tarefas domésticas, e Jesus como um menino travesso. Na Idade Média e no Renascimento Jesus nem sequer era retratado com feições infantis, mas como um homúnculo, um homem em miniatura, porém isto é assunto para um texto posterior. O fundo da pintura mostra uma cena de oficina, com José trabalhando como marceneiro. A representação de Jesus como um menino comum, sujo e descalço, foi especialmente chocante para alguns espectadores sempre acostumados com retratos mais idealizados e santificados da Sagrada Família. Também se observa um outro menino ao lado de Jesus que seria São João Batista, carregando uma bandeja, que pode ser uma alusão ao batismo de Cristo ou, numa leitura mais macabra, ao seu martírio, no qual Salomé pede sua cabeça a ser trazida em uma bandeja. Outro detalhe interessante é a pomba representando o Espírito Santo, ainda para reforçar a alusão ao batismo.
Os contemporâneos de Millais não estavam prontos para uma obra assim e as críticas foram pesadas, mas, ao final, acabou se tornando uma das pinturas mais célebres do artista. Se tiverem a oportunidade de visitar o Museu Tate e sua vasta coleção, vale apena dedicar alguns minutos para esta obra-prima do movimento Pré-Rafaelita.
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